O que são as distorções cognitivas? (Parte II)

Anne with an E
Por Caroline Benigno Cardoso | 30 de jun. de 2020 | Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) | comentário(s)

As distorções cognitivas são erros persistentes que todos os humanos podem cometer em sua forma de pensar e interpretar os fatos e situações.

No post anterior, foram apresentadas 8 distorções da lista de 17 conforme descritas por definidas por Leahy (2019). Vamos ver as outras distorções?

9. Afirmações do tipo “Deveria”: Você interpreta os acontecimentos em termos de como as coisas deveriam ser em vez de simplesmente focar no que eles são

Sr. Harrison para Anne:

-…É preciso que me desculpe, Anne. Tenho o hábito de ser muito franco, e as pessoas não deveriam se importar com isso.

– Mas é impossível não se importar. E não acho que o fato de ser um hábito justifica alguma coisa. O que o senhor pensaria, se alguém saísse por aí espetando as pessoas com alfinetes e agulhas, e dizendo “Perdão, você não deve se importar com isso, é só um hábito que tenho”? Acharia que essa pessoa é louca, não acharia?

(Anne de Avonlea)

10. Personalização: Você atribui a si mesmo uma quantidade desproporcional de culpa por acontecimentos negativos e não consegue perceber que determinados acontecimentos são também causados pelos outros

Prof. Minerva logo após a morte de Dumbledore:

– É tudo minha culpa – disse subitamente a professora McGonagall. Ela parecia desorientada, torcia o lenço molhado nas mãos. – Minha culpa. Mandei Filio chamar Snape esta noite, mandei buscá-lo para vir nos ajudar! Se eu não tivesse alertado Snape para o que estava acontecendo, talvez ele nunca tivesse se reunido aos Comensais da Morte. Acho que ele não sabia que estavam na escola até Filio lhe contar, acho que Snape não sabia que eles vinham.

(Harry Potter e as Relíquias da Morte)

11. Atribuição de culpa: Você se concentra na outra pessoa como fonte de seus sentimentos negativos e se recusa a assumir a responsabilidade pela mudança.

Marilla Conversando com Anne sobre sua reação frente à crítica à sua aparência, feita pela Sra. Lynde:

-…Espero realmente que você tente se controlar daqui pra frente, Anne!

-Isso não seria tão difícil se as pessoas não falassem da minha aparência – a menina respondeu, com um suspiro. – Não fico irritada com outras coisas, mas estou tão cansada de ver as pessoas zombando de meu cabelo que isso me tira do sério.

(Anne de Grenn Gables)

Nesta situação, a interpretação de Anne não estava totalmente distorcida, mas houve um exagero em sua reação. O exemplo acima tenta mostrar que, em parte, Anne não se responsabiliza por seu comportamento caso zombem do seu cabelo ruivo, o que é uma forma de atribuição de culpa, mesmo sendo a sua ação parcialmente justificada.

12. Comparações injustas: Você interpreta os eventos em termos de padrões irrealistas, comparando-se com outras pessoas que se saem melhor do que você, e então se considera inferior a elas.

Vozes dentro da Horcrux, que refletiam os temores de Rony:

– Sempre o menos amado pela mãe que desejava uma filha… menos amado agora pela garota que prefere o seu amigo… sempre segundo, sempre, eternamente na sombra…

[Voz simulando Hermione] – Quem poderia olhar para você, quem jamais olharia para você ao lado de Harry Potter? Que foi que você já fez, comparado a O Eleito? Quem é você comparado ao Menino-Que-Sobreviveu?

(Harry Potter e as Relíquias da Morte)

13. Orientação para o remorso: Você se concentra na ideia de que poderia ter se saído melhor no passado, em vez de no que pode fazer melhor agora.

Hermione sobre a morte de Dumbledore:

– Fui tão idiota, Harry! – lamentou Hermione num sussurro agudo. – Ele [Snape] disse que o professor Flitwick tinha desmaiado e que devíamos cuidar dele, enquanto ele… enquanto ele ia ajudar a combater os Comensais da Morte… A garota cobriu o rosto, envergonhada, e continuou a falar por trás dos dedos, o que abafou sua voz. – Entramos no escritório para ver se podíamos ajudar o professor Flitwick e o encontramos inconsciente no chão… e, ah, é tão óbvio agora, Snape deve ter estupefeito Flitwick, mas não percebemos, Harry, não percebemos, deixamos o Snape escapar!

(Harry Potter e as Relíquias da Morte)

14. E se?: Você faz uma série de perguntas do tipo “e se” alguma coisa acontecer, e nunca fica satisfeito com as respostas.

Arya, que estava com um grupo fora da lei, pensando sobre o seu resgate:

…Mas e se Robb não quiser pagar o preço deles? Ela não era nenhum cavaleiro famoso, e era de esperar que os reis colocassem o reino à frente das irmãs. E a senhora sua mãe, o que diria? Ainda a quereria de volta, depois de todas as coisas que havia feito? Arya mordeu o lábio e desejou saber.

(As Crônicas do Gelo e do Fogo – A tormenta de espadas)

15. Raciocínio emocional: Você deixa os sentimentos guiarem sua interpretação da realidade

(Sobre os moradores da cidade de Liberty, que esperavam que os filhos mortos voltassem da guerra)

Eles tinham esperado e rezado…e agora alguma coisa estava acontecendo. Os Cruzados da Ressurreição estavam certos. O Senhor se encarregou de tudo. O governo, como sempre, não ajudou…mas as orações surtiram efeito. É o que sentem todos os pais enganados de Liberty. Em breve estarão exultantes. Os filhos perdidos da cidade estão voltando da Guerra.”

(Hellblazer origens, vol. 1.)

16. Incapacidade de refutar: Você rejeita quaisquer evidências ou argumentos que possam contradizer seus pensamentos negativos.

(Quando encontraram Marvin no estacionamento após bilhares de anos:

E aí, Marvin, fico feliz em vê-lo! – Disse Zaphod

Não, não fica. Ninguém nunca fica. – respondeu Marvin

– …Não, nós ficamos, de verdade – respondeu Trillian

(Marvin de O Guia do Mochileiro das Galáxias)

E após isso Marvin continua sem acreditar nisso.

17. Foco no julgamento: Você avalia a si próprio, os outros e os eventos em termos de preto-ou-branco (bom-mau, superior-inferior), em vez de simplesmente descrever, aceitar ou compreender. Você está continuamente se avaliando e avaliando os outros segundo padrões arbitrários e achando que você e os outros deixam a desejar. Você está focado no julgamento dos outros e de si mesmo.

Jaime Lanister lutando com Brienne de Tarth:

…A espada ficava mais pesada a cada golpe, e Jaime sabia que não a brandia tão depressa como antes, nem a erguia tão alto.

“Ela é mais forte do que eu.

Perceber aquilo gelou-o. Robert tinha sido mais forte do que ele, certamente. … Entre os vivos, Grande-Jon Umber era mais forte, Javali Forte de Crakehall muito provavelmente também, ambos os Clegane com toda a certeza. A força da Montanha não tinha nada de humano. Não importava. Com velocidade e perícia, Jaime era capaz de derrotar todos eles. Mas aquilo era uma mulher. …por tudo aquilo que era certo, quem devia estar se cansando era ela.

(As Crônicas do Gelo e do Fogo – A tormenta de espadas)

Nos capítulos sob o ponto de vista de Jaime, percebemos uma visão um tanto misógina, em especial em relação à Brienne. Destaco parte desse trecho como uma distorção, no sentido de que Jaime inicia realizando julgamentos em termos de inferior e superior de forma arbitrária e acreditando que Brienne seria fraca por ser mulher, quando começa a se dar conta das habilidades de Brienne na luta.

Confesso que este post e o anterior foram bem difíceis de escrever, considerando que os trechos ilustrados resumem características pontuais, não tão relevantes para a construção dos personagens, sendo mais difícies de encontrar.

Se você tiver outros exemplos que ilustram melhor as distorções, deixe aqui nos comentários. 🙂

Você se percebe cometendo quais dessas distorções cognitivas?

LEAHY,R. L. Técnicas de terapia cognitiva: Manual do terapeuta. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.