Resenha – A diferença invisível
A “diferença invisível” é um quadrinho de Mademoiselle Caroline e Jullie Dachez, com tradução de Renata Silveira, produzido pela editora Nemo.
Traz a história de Marguerite, uma jovem que se descobre autista tardiamente, aos 27 anos.
A HQ começa mostrando o cotidiano de Marguerite com alguns sinais comuns no autismo. Ela sai sempre nos mesmos horários e mantém a mesma rotina no trajeto até o trabalho. Qualquer alteração tem um custo importante na sua energia, principalmente se estiver relacionada às interações sociais – como quando aparece algum vizinho querendo conversar.
No trabalho, Marguerite tem um ótimo desempenho, mas é cobrada a manter mais interações com os colegas para “não pegar mal”. Ela é vista pelos outros como alguém esquisita.
Marguerite sofre com os barulhos que passam despercebidos pela maioria das pessoas. Se manter em ambientes cheios e barulhentos a deixam superestressada, o que fica evidente nas cenas em que a página vai ficando cada vez mais vermelha.
Na primeira parte da história, Marguerite se vê desencaixada, tendo interesses específicos que mais ninguém acompanha e necessidades que soam como manias estranhas para os outros. Ela tem um namorado que cobra que ela esteja em festas e outras situações sociais e que não entende o quanto lhe custa fazer o que ele propõe. Quando eles rompem, ela começa a buscar pela internet e chega até a síndrome de Asperger*.
Esse foi um importante ponto de virada, que começou ainda com muita incompreensão por parte de alguns profissionais e antigos amigos, mas que aos poucos foi se tornando uma incrível jornada de autodescoberta, respeito por si mesma e busca de uma vida que fizesse mais sentido.
Marguerite passou a conhecer outras pessoas dentro do espectro do autismo que só tornaram amigos mais verdadeiros. Conheceu também outras pessoas verdadeiramente interessadas nela. Pôde perceber que tomo mundo pode ter condições e necessidades específicas.
A partir da descoberta do que lhe fazia mal, Margerite foi capaz de distribuir sua energia nas interações que faziam sentido, se resguardando em situações em que ela não precisaria estar.
Nesse ponto vemos o quanto ter um diagnóstico pode ser libertador e transformador para muitas pessoas que passam a ver as suas características como parte de algo vivido também por outros, e não como uma característica pessoal negativa. Ela pôde mudar o rumo da vida para ser mais confortável para ela, encontrando relações e um trabalho mais saudável, e tudo isso a partir de se descobrir autista.
Enfim, “ A diferença invisível” é uma boa aula sobre TEA a partir da perspectiva de uma pessoa neurodivergente.
* Na HQ se fala em síndrome de Asperger, termo que não é mais utilizado atualmente. Asperger foi um médico nazista que fez pesquisas com crianças autistas separando as que seriam mais “úteis” das menos “úteis”, a partir de uma perspectiva totalmente capacitista – e você pode imaginar o que era feito com as crianças consideradas inúteis, né?
Hoje o diagnóstico de Asperger está enquadrado dentro do espectro do autismo, segundo o DSM- V. É importante pontuar que o TEA não é considerado doença, mas uma condição do neurodesenvolvimento, devendo haver o esforço de todos para a inclusão destas e de todas as pessoas – já que todos temos necessidades especiais, não é?