Resenha – Não era você que eu esperava
“Não era você que eu esperava” é uma graphic novel autobiográfica escrita pelo francês Fabien Toulmé e lançada no Brasil pela editora Nemo em 2017. Trata dos caminhos emocionais percorridos pelo autor ao conhecer sua filha com trissomia do cromossomo 21, mais conhecida como Síndrome de Down.
A história se passa a partir do ponto de vista de Toulmé e se inicia com um breve recorte da sua infância, em que presenciou um menino com Síndrome de Down sendo ridicularizado por seus colegas. Depois, a história passa para a vida adulta, onde é apresentada a família de Toulmé ainda morando em João Pessoa. Toulmé é casado com Patrícia, uma brasileira, e tem uma filha de 4 anos chamada Louise. Patrícia está grávida e ambos passam pelas ansiedades e preocupações inerentes ao período de gestação.
Durante a gestação, a família se muda para a França e seguem fazendo a rotina de pré-natal, sem nenhuma alteração. Então que, após o nascimento e no primeiro encontro com a recém-chegada Júlia, Toulmé percebe que há “algo errado”. Observa diferenças no seu rosto e não acredita nas palavras dos profissionais que de início negam que ela possa ter alguma síndrome. Tudo se confirma após alguns dias, quando observaram uma malformação no coração de Júlia, comum às crianças com trissomia do 21, fazendo com que investigassem mais a fundo com outros exames.
A partir desse momento, Toulmé apresenta a trajetória emocional de se descobrir pai de um bebê com deficiência. O autor consegue trazer todo o conteúdo emocional de uma forma sincera e honesta, mas ao mesmo tempo de forma sensível e incrivelmente humana. Aqui também há o luto do bebê ideal, aquele bebê perfeito imaginado por ele – e isso acontece em qualquer gestação, quando a criança que chega não é exatamente aquela pessoinha que foi imaginada.
O que torna a história mais bonita é a honestidade e coragem de mostrar os seus pensamentos “feios” a sinceridade para falar em voz alta aqueles pensamentos preconceituosos sobre deficiência, em especial sobre as deficiências intelectuais, que todos temos por viver em uma sociedade estruturalmente capacitista. (Obs: estou falando aqui sobre a coragem do autor em se mostrar inteiro e humano e não sobre o direito de falar qualquer bobagem capacitista sob o disfarce de “liberdade de expressão” ou algo assim)
Toulmé nos traz verdades duras, como quando se percebeu não tendo nenhuma afeição por aquela bebê, ou quando desejou que ela morresse pelo problema no coração. Mas encarar essas verdades é fundamental para a sociedade e especialmente para os profissionais de saúde, de forma que assim podem olhar realmente para o que se passa com as famílias.
Ainda temos uma perspectiva muito enviesada sobre as deficiências – ora tratamos as pessoas com alguma condição como alguém totalmente incapacitado e dependente, ora tentamos enaltecer alguma característica como uma compensação forçada do tipo: “as pessoas com Síndrome de Down são especiais, são uns anjos”. Essas formas acabam por reduzir a pessoa à sua deficiência, não se notando o que elas podem ter como características individuais, suas reais forças e fraquezas pessoais que vão muito além da sua condição.
“Não era você quem eu esperava” termina com “mas estou feliz por você ter vindo”. Estes trechos não poderiam descrever melhor o significado desse maravilhoso encontro entre duas pessoas diferentes.